HQ TERRITÓRIO NEUTRO | MARVELS 30 ANOS DA OBRA PRIMA DE KURT BUSIEK & ALEX ROSS

Por Adilson Carvalho

Em 1994 a continuidade oficial do Universo Marvel não estava em, sua melhor fase, o que foi um bom momento, no entanto, para um revisionismo dos alicerces que ergueram a editora. Foi assim que a dupla Kurt Busiek e Alex Ross, na época ainda não muito conhecida, voltou seus olhos para o passado desde o ano de 1939 até 1974, cobrindo diversos momentos icônicos como a criação do primeiro Tocha Humana, fazendo nascer uma era de super seres em meio a fatos de importância mundial como a Segunda Guerra em paralelo ao surgimento do Capitão América, a guerra fria como pano de fundo na criação do Hulk, a corrida espacial inerente ao vôo que deu origem ao Quarteto Fantástico etc… Os autores são muito felizes em costurar o mundo de maravilhas fantasiadas e fantasiosas com os fatos históricos que sustentam a gênese do Universo Marvel. E tudo isso, sob os olhos de um narrador que é o cidadão comum, o repórter Phil Sheldon. Este funciona como uma âncora moral, presenciando tudo, fazendo comentários sociais e se conectando com o leitor na formação de um juízo de valor. Apesar do aparente encanto de ver seres super poderosos convivendo com os problemas ditos “humanos”, recebemos a chave para entender nossas próprias contradições refletidas na figura dicotômica de heróis e vilões.

O estilo fotográfico, realista de Alex Ross acentua ainda mais a experiência única de ler a minissérie que avança para o preconceito com os mutantes na primeira aparição dos X-Men, traçando o paralelo com a luta pelos direitos civis, parábola indissociável no trabalho de Stan Lee & Jack Kirby ao imaginar pessoas nascendo com habilidades que os fazem diferentes do homo sapiens. Busiek respeita tudo que foi feito por Stan Lee, Jack Kirby, Steve Dikto, Joe Simon, Bill Everett, John Buscema, Roy Thomas, e todos os criativos artistas que desenvolveram histórias que hoje são clássicas e alimentam a cultura pop. Dividida em 4 capitulos entitulados A Era das Maravilhas, Monstros Entre Nós, O Dia do Juizo Final e O Dia Que Ela Morreu, a minissérie chega a seu final de forma profundamente emotiva com a morte de Gwen Stacy. Em uma época que a morte nunca era o destino do inocente, da moçinha, Gwen foi sacrificada por uma quebra de paradigma que causa ecos até hoje como recurso dramático. Um epílogo ideal por simbolizar um divisor de águas em gênero que carregou o maniqueísmo de que o bem sempre vence o mal, e que o inocente sempre é salvo.

Peter não conseguiu salvar Gwen e Phil Sheldon consegue criar um elo que ao mesmo tempo reflete o dilema moral de que mesmo um super herói não consegue salvar todos, e que baixas de guerra são inevitáveis na luta contra o mal, que nós mesmos criamos como membros da raça humana. Grande e merecedora do Eisner Awards naquele ano, Marvels serviu para mostrar que um ponto de vista diferente pode ser usado para rever os clichês de um gênero que na maioria das vezes é vítima da visão comercial e das armadilhas editoriais, mas que também pode ser critico, pode ser fascinante por nos fazer olhar para nós mesmos, e no que projetamos na figuras desses modernos semi-deuses que formam o panteão moderno. Poucos anos depois Alex Ross se juntou a Mark Waid para fazer um trabalho de impacto igual para a DC Comics chamado Reino do Amanhã, mas isso é outra história.

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