MGM 100 ANOS | TARZAN, O FILHO DAS SELVAS

Por Paulo Telles, com base em seu próprio livro

TARZAN VAI AO CINEMA (Editora Estrada de Papel, 2021)

O advento do cinema sonoro arrastou multidões às salas de projeção no início da década de 1930, mas a transição do cinema mudo para o cinema falado provocou uma reviravolta no meio cinematográfico, desempregando ou deixando em segundo plano atores com mais talento do que voz. A Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) lançou O Mercador das Selvas (Trader Horn, 1931), ambientado na África, um dos primeiros filmes sonoros da companhia, sucesso de crítica e público. Logo, os executivos da companhia – entre eles Ralph Rothmund, empresário do escritor Edgar Rice Burroughs (1875-1950) – perguntaram entre si: Por que não rodarmos um filme de Tarzan? A companhia era comandada por Louis B. Mayer (1884-1957), um dos mais respeitados e temidos chefes de estúdio de Hollywood, que tinha como menino de ouro o produtor Irving Thalberg (1899-1936). Ambos procuraram Burroughs (o devido criador do personagem que lhe rendeu muitos livros, fama e fortuna!), e adquiriram os direitos de filmagens para W. S. Van Dyke (1889-1943) dirigir Tarzan, o Filho das Selvas (Tarzan, The Apeman, 1932).

Maureen O’ Sullivan, Johnny Weissmuller e a chimpanzé (original) Chita, aludindo os “três macacos sábios” em intervalo de filmagem de TARZAN, O FILHO DAS SELVAS (1932) de W.S. Van Dyke.

O diretor Van Dyke apresentou o perfil do ator pretendido para viver Tarzan: Eu quero um homem jovem, forte, bem construído, razoavelmente atraente, não necessariamente bonito, mas que seja um ator competente. Foram testados atores da MGM, entrevistados atletas profissionais e universitários de diversas partes do país – incluindo  Joel McCrea, Johnny Mack Brown, Clark Gable, Jack Dempsey e Tom Tyler. Douglas Fairbanks sugeriu a Van Dyke um jovem atleta do futebol americano em ascensão, que jogava pela Universidade de Washington e que havia competido nos Jogos Olímpicos de Amsterdam, em 1928: Herman Brix (1906-2007). O diretor testou o atleta de 1,91 metro de altura, acreditando que as buscas por Tarzan haviam terminado. Mas, durante a primeira semana de filmagem, Brix (que mais tarde mudaria seu nome artístico para Bruce Bennett) fraturou o ombro. Incerto da recuperação do ator, o diretor paralisou a rodagem. Curiosamente, Brix teria oportunidade de interpretar o Senhor das Selvas em um seriado de cinema três anos depois para uma outra companhia, As Novas Aventuras de Tarzan (1935), filmado na Guatemala em condições precárias e produzido por Edgar Rice Burroughs.

Johnny Weissmuller, o TARZAN que viraria um mito de Hollywood.

O roteirista Cyril Hume (1900-1966), hospedado em um hotel, avistou o atleta campeão olímpico de natação nos Jogos Olímpicos de 1924 e 1928, Johnny Weissmuller (1904-1984), de 28 anos e com a mesma estatura de Herman Brix. Não foi a primeira vez que Weissmuller entrou num estúdio de cinema, já que era amigo de Clark Gable, então um dos astros promissores da Metro. Weissmuller havia participado do musical A Glorificação da Beleza (Glorifying the American Girl, 1929), no papel de Adonis, o Deus da Beleza.

Tarzan e sua amada Jane, vivida por Maureen O’ Sullivan.

Quando os testes com Johnny para Tarzan foram encerrados, os executivos da MGM verificaram que ele havia assinado contrato com uma empresa de roupas íntimas e trajes de banho. Para liberá-lo, a Metro ofereceu à empresa suas atrizes para posar com seus trajes de banho em peças publicitárias: Joan Crawford, Greta Garbo e Jean Harlow. A companhia assinou uma série de contratos com Burroughs e construiu uma selva de 12 hectares dentro de seus estúdios, com um lago que comportou 13 milhões de galões d’água. Um zoológico foi providenciado, antecipando a realização de outros filmes com Tarzan. Weissmuller assinou contrato para viver o personagem por sete anos, com salário semanal de US$ 500 a US$ 2 mil, de acordo com o andamento da produção. Para fins de publicidade, foi aclamado como o único homem em Hollywood que, em sua naturalidade, pode atuar sem roupas. Para o papel de Jane, Irving Thalberg escolheu a irlandesa Maureen O’Sullivan (1911-1998), de 20 anos.

Johnny Weissmuller e o escritor Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan

Cyril Hume consultou Edgar Rice Burroughs durante a preparação do script, mas ao final o escritor não gostou do resultado que, como de costume, fugiu completamente ao espírito de sua criação e de sua obra expressa, publicada em 1912. Embora aprovasse Weissmuller na caracterização física, Burroughs não gostou de ver Tarzan como um homem monossilábico e primitivo ao extremo – e o bordão me Tarzan, you Jane se tornou característica marcante nos filmes estrelados pelo ator, afinal, o perfil do herói de acordo com o escritor era a de um homem que, embora selvagem em sua origem, era provido de inteligência, um ser articulado, sociável, nobre e sensível, e isto de fato é visto nos livros do autor. Porém, foi justamente o retrato de um Tarzan monossilábico, antissocial e troglodita que agradou às plateias, e fez da MGM, de Tarzan e de Weissmuller campeões nas bilheterias. Tarzan fez de Weissmuller um mito de Hollywood.

Sir C. Aubrey Smith, Maureen O’ Sullivan e Neil Hamilton

Filmado no lago de Toluca, Califórnia, Tarzan, o Filho das Selvas começa com Jane Parker (Maureen O’ Sullivan) chegando à África para encontrar seu pai, o professor James Parker (C. Aubrey Smith, 1863-1944) e seu amigo caçador Harry Holt (Neil Hamilton, 1899-1984), que está à procura de um cemitério de elefantes que guarda tesouros em marfim. Jane se une à expedição para encontrar este cemitério, mas o grupo enfrenta vários perigos, ela é raptada por um homem branco selvagem que vive saltando de árvore em árvore, ecoando seu grito na floresta. Seu nome é Tarzan (Johnny Weissmuller), criado pelos grandes macacos e que conhece apenas a lei da selva.

Tarzan e Jane em sua primeira aventura sonora nas telas!

A princípio, Jane fica atemorizada com o estranho, mas se apaixona por ele. O filme foi lançado em março de 1932, arrecadando cerca de US$ 1 milhão no mercado norte-americano, um dos 10 campeões de bilheteria do ano. A receptividade da crítica foi proporcional à arrecadação da bilheteria. Francis Birrell, da revista londrina The New Statesman and Nation, escreveu: Por uma hora e quarenta minutos os olhos estão encantados, os nervos incessantemente assediados, um exército de elefantes, um tormento de macacos, leões em pleno orgulho a invadir o filme. Tarzan tem cem por cento de entretenimento válido, e ganha enormemente de outros filmes. Katherine Albert, da Photoplay Magazine, anotou: Mas a estatística mais importante de todas é o fato de um rapaz que não estava interessado em nada além de nadar admitir que não possa atuar, sendo o entusiasta do coração das plateias no decorrer do ano. Weissmuller agradou ao público feminino, colocando-o no rol de galãs da MGM ao lado de Clark Gable e Robert Taylor, mas o ator era casado. O estúdio pagou à mulher do astro US$ 10 mil para que se divorciasse, e ela aceitou. A MGM mandou Weissmuller pegar estrada para promover o filme em aparições públicas. Chegou à Nova Iorque acompanhado da atriz Lupe Velez (1908-1944), cantora e comediante mexicana que fazia sucesso em Hollywood. Embora o estúdio tivesse vetado o primeiro casamento do astro, não fez objeções ao novo relacionamento, fazendo publicidade em torno dele. Velez e Weissmuller se casaram em Las Vegas, em 1933.

Weissmuller ainda viveria Tarzan em mais cinco filmes para a MGM

Histórias e lendas cercam o mais famoso grito das telas. O brado do herói que representa a vitória dos grandes macacos na concepção de Edgar Rice Burroughs nas histórias originais de Tarzan. Johnny Weissmuller explicou que o grito do personagem tal qual muitos conhecem surgiu durante a produção de Tarzan, o Filho das Selvas: Nada me fazia conseguir dar seu grito, até que me pus a lembrar de certas coisas. Meus pais vieram da Áustria, e minha mãe ensinara-me vagamente algo sobre a tirolesa. Eu parti deste canto meio gutural, e desse modo foi que nasceu o famoso grito de Tarzan. Engraçado, não é? Poucas pessoas se dão conta que o homem da selva possuía uma tirolesa. Contudo, mesmo um grito à tirolesa do ator não sairia de modo tão adequado se não fosse uma mãozinha do Departamento de Som da MGM, que o aperfeiçoou no filme seguinte, Tarzan e sua Companheira (Tarzan and his Mate, 1934): uma mixagem combinou o blaterar de um camelô, a gargalhada de uma hiena, o rosnado de um cachorro e a vibração da corda de um violino, acoplados ao grito de Weissmuller.

Denny Miller e Joanna Barnes no remake de TARZAN, O FILHO DAS SELVAS, pela mesma Metro, em 1959.

Johnny Weissmuller ainda faria mais cinco filmes sequenciais para a MGM, sempre com O’ Sullivan ao seu lado como Jane: Tarzan e a Companheira (1934), A Fuga de Tarzan (1936), O Filho de Tarzan (1939, que lançou o menino Boy, interpretado por Johnny Sheffield), O Tesouro de Tarzan (1940) e Tarzan Contra o Mundo (1941). Nos anos seguintes, Weissmuller ainda viveria Tarzan em mais seis filmes para outro estúdio, a RKO (um pouco mais precário em comparação com a MGM) até 1948. Entretanto, o filme de 1932 é considerado o mais magistral de todos estrelado pelo astro, a quintessência de todas as aventuras do herói nas telas e verdadeiro clássico do cinema. Em 1959, a mesma MGM rodaria um remake do filme de 1932, Tarzan, O Filho das Selvas, sob a direção de Joseph M. Newman (1909-2006), com Denny Miller (1934-2011) e Joanna Barnes (1934-2022) respectivamente nos papéis de Tarzan e Jane. 21 anos depois, em 1981, a Metro voltaria suas atenções para o Homem Macaco em um segundo remake da história de 1932 e dirigido por John Derek (1924-1998), Tarzan The Ape Man, demonstrando ao mundo todo erotismo de sua então esposa Bo Derek como Jane, com Miles O’ Keefe como Tarzan (nada monossilábico, mas mudo!) e a participação do talentoso e inolvidável Richard Harris (1930-2002).

Miles O’ Keefe e Bo Derek em TARZAN, O FILHO DAS SELVAS, produzido pela MGM em 1981

Paulo Telles é crítico de cinema, radialista e autor do livro Tarzan Vai ao Cinema (Editora Estrada de Papel, 2021). Colunista do blog Cine Retro BoaVista.

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