CLÁSSICO REVISITADO TOOTSIE – 40 ANOS

Por Adilson Carvalho

Dustin Hoffman & Jessica Lange

O tema “homens vestidos de mulheres” sempre rendeu bons filmes no cinema desde o clássico Quanto Mais Quente Melhor(Some like it hot) com Tony Curtis e Jack Lemmon transformados em belíssimas ladies até mais recentemente com o humor escrachado dos irmãos Wayans transvestidos de irritantes patricinhas em “As Branquelas” (White Chicks). Hoje revisitamos um filme do mesmo tema lançado há exatos 30 anos atrás e que fez o mundo rir e se apaixonar pelo lado feminino de um grande ator, Dustin Hoffman ou seria melhor dizer Michael Dorsey ou ainda Dorothy Michaels … simplesmente “Tootsie”. Lançado em 17 de dezembro de 1982, “Tootsie” foi muito tempo depois eleito pelo AFI (American Film Institute) a segunda melhor comédia do cinema, perdendo o primeiro lugar justamente para … “Quanto Mais Quente Melhor”. E há muita coisa em comum entre ator e personagem que, intencionalmente ou não, veio a colaborar com o sucesso desse filme, o 14º na prolífica carreira do versátil diretor Sidney Pollack (1934-2008.)

No filme, Michael Dorsey é um ótimo ator, mas com uma das piores reputações no ramo artístico. Assim como seu intérprete, Dorsey é de difícil entendimento com os diretores com os quais trabalha e, por isso, sobrevive como garçom dividindo um apartamento com o amigo Jeff (Bill Murray), aspirante a roteirista. Recusado por todos e irritando seu agente George Fields (o próprio Sidney Pollack que teve uma difícil convivência com Dustin Hoffman, tanto que nunca mais trabalharam juntos), Dorsey se torna Dorothy Michaels e consegue o papel de administradora do hospital geral em uma popular novela de TV. O que poderia a principio dar incrivelmente errado tem o efeito oposto. As opiniões e a postura de Dorothy a transforma em símbolo nacional para todas as mulheres, ganhando cada vez mais espaço na mídia. O sucesso tem o seu preço e a partir daí Michael/Dorothy se enrola progressivamente em sua vida dupla: Sua namorada Sandy acha que ele é gay, John Van Horne (George Gaynes – o Comandante Lassard da “Loucademia de Polícia”) seu colega de TV se apaixona por ele, Julie (Jessica Lange) – atriz com quem contracena transvestido como Dorothy e por quem se apaixona, pensa que Dorothy é lésbica, e para piorar a situação, o pai de Julie quer fazer de Dorothy sua segunda esposa.

Sidney Pollack & Dustin Hoffman

As situações esdrúxulas criam humor contagiante através dos inteligentes diálogos criados por Larry Gelbart e Murray Schisgal como quando Jeff condena as atitudes de Michael dizendo que ele vai para o inferno, ao que Michael responde “I don’t believe in hell. I believe in unemployment, but not hell” (Eu não acredito em inferno. Acredito em desemprego, mas não no inferno). Impossível não deixar escapar uma gargalhada quando o confuso George Fields pergunta a Michael “ “Lesbian”? You just said gay.” (Lésbica?Você acabou de dizer que era gay) só para ouvir “No, no, no – Sandy thinks I’m gay, Julie thinks I’m a lesbian.” (Não, não – Sandy acha que sou gay, Julie pensa que sou lésbica”.). Quando após uma série de mal entendidos, Michael decide desfazer aquela farsa e se revela diante do olhar de todos no estúdio e de todos os telespectadores, um consternado John Van Horne só consegue perguntar : Does Jeff know? (O Jeff sabe ?).

Dustin Hoffman teve a ideia de fazer este filme durante a realização de “Kramer x Kramer” (1979). Como neste, Hoffman precisava desempenhar funções de pai e mãe, ele alimentou a vontade de interpretar um papel duplo masculino e feminino que veio a se tornar o filme de Sidney Pollack, após várias mudanças de roteiro entre as quais as solicitadas ou sugeridas pelo próprio Hoffman, ainda que por várias vezes contrariando Pollack. Foi de Hoffman a pressão para que o ator Bill Murray , que vinha de comédias de gosto duvidoso como “Almondegas” e “Clube dos Pilantras”,  e teve seu nome suprimido dos créditos de abertura para evitar qualquer conexão com as citadas comédias. Curiosamente, o talento de Murray impressionou e quase dois anos depois ele se tornou o Dr.Pete Venkman do mega sucesso “Caça-Fantasmas”. O filme também foi a estreia de Geena Davis que algum tempo depois viria a fazer o principal papel feminino de “A Mosca”, além de outros filmes de sucesso. Foi o quinto papel nas telas de Jessica Lange, que tinha sido modelo de sucesso tendo estreado no cinema em 1978 na versão de Dino DeLaurentis para King Kong. Em Dezembro de 1982 foi lançado também o filme “O Veredito” com Paul Newman. Tanto nesse quanto em “Tootsie”, aparece em ponta o ator Tobin Bell, o assassino Jigsaw do filme “Jogos Mortais

Sidney Pollack ajeita a peruca de Dustin Hoffman

O sotaque sulista da voz de Dorothy também foi improvisação de Hoffman que teria recebido ajuda de Meryl Streap nos ensaios. Segundo consta, Hoffman lia o papel de Blanche DuBois de “Uma Rua Chamada Pecado” para que Streap o treinasse. O papel do agente de Michael seria interpretado por Dabney Coleman, que acabou ficando no papel de Ron, o diretor da novela. O problema é que Hoffman dizia não se sentir de fato pressionado a se tornar uma mulher para conseguir  trabalho de ator tendo como agente um colega de profissão. Assim sendo, insistiu para que Sidney Pollack o fizesse, já que como diretor ele seria a figura intimidadora perfeita que levaria o personagem de Michael a topar o desafio. Diante da recusa de Pollack, Hoffman lhe enviava um buquê de rosas vermelhas todo dia com um bilhete dizendo “Por favor, seja meu agente ! Com amor, Dorothy”, o que acabou por convencer Pollack. Outra contribuição de Hoffman é o próprio título do filme que era o nome do cachorro de sua mãe.

          Nos bastidores de “Tootsie”, duas histórias são pelo menos curiosas e atestam a inventividade e o talento de Dustin Hoffman. Como que testando para saber se conseguiria passar a imagem de uma perfeita mulher, Dustin foi até a escola de sua filha, transvestido como Dorothy e se apresentando como uma tia. Ninguém o reconheceu. Outra história revelada pelo próprio ator em entrevista no programa de David Letterman,  é o encontro, nos corredores do estúdio, com o ator veterano Jose Ferrer. Hoffman deu uma cantada descarada no idoso ator dizendo “Eu chuparia seu …..” ao que este recusou sem reconhecer que era Hoffman transvestido.

No mesmo ano de “Tootsie’, foi lançado “Victor ou Victoria’ de Blake Edwards com Julie Andrews fazendo também uma inversão de gênero.  Ambos teriam indicações ao Oscar sendo que Tootsie ficou o prêmio de melhor atriz coadjuvante para Jessica Lange, que naquele ano concorreu com a colega de elenco Teri Garr que fazia a Sandy. Lange também foi indicada ao prêmio de melhor atriz por “Frances” que perdeu para Meryl Streap por “A Escolha de Sofia”. “Tootsie”  recebeu ao todo 10 indicações incluindo melhor filme, diretor, ator (Hoffman) e melhor canção para a melódica “It MIght Be You” cantada no filme por Stephen Bishop. Dustin e a equipe de maquiagem receberiam ainda o BAFTA, o Oscar Britânico. O filme, Dustin e Jessica ainda sairiam vencedores do Golden Globe.

Teri Garr & Dustin Hoffman

Ao fim de “Tootsie”, Sidney Pollack nunca mais voltaria a trabalhar com Dustin Hoffman, apesar de que este quase ficou com o cargo de diretor de “Rain Man” que veio a ser dirigido por Barry Levinson e protagonizado por Dustin Hoffman, oscarizado aqui por seu papel de autista. Pollack também seria premiado pela Academia em 1985 por “Entre Dois Amores” (Out of Africa). Depois de Tootsie, seu elenco  diversificou seus trabalhos. Bill Murray, Jessica Lange e Geena Davis tiveram carreira prolífica que se estende até hoje no cinema ou na TV. Lamentavelmente a ótima coadjuvante Teri Garr, embora tenha continuado a trabalhar, tem passado desde então momentos difíceis devido ao diagnóstico médico de esclerose múltipla que prejudicou-lhe a carreira. Visto na época, o filme funcionou para dar voz às mulheres ainda que através de um homem que precisou se transvestir para conseguir emprego e entender o universo feminino. Revisto hoje, 30 anos depois, o filme de Pollack é um delicioso misto de romance e comédia que nos faz sentir que ele ou ela são faces da mesma moeda em uma sociedade em que cada um tem direito a vazios momentos de fama, é bom saber que alguém soube usar a mídia para resgatar a dignidade perdida, mesmo que só na ficção.

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